(“Vós sois deuses...
contudo, morrereis como um homem qualquer” – Sl 81,6-7)
Prezado juiz Jesseir Coelho de Alcântara,
Prezado juiz Jesseir Coelho de Alcântara,
Permite-me tratar-te por “tu” em vez de “Vossa Excelência”, sem que isso queira
significar nenhuma falta de respeito.
Tu deves ter-te emocionado pelo recém-nascido encontrado no centro de Goiânia
em 22 de dezembro de 2015, dentro de dois sacos de lixo, debaixo de uma árvore
da Rua 01. A criança foi encontrada por um casal, socorrida pelo Corpo de
Bombeiros e levada até o Hospital Materno Infantil, onde os servidores,
emocionados, deram-lhe o nome de Manoel, “Deus conosco”. O bebê teve alta no
dia de Natal, 25 de dezembro, com uma lista extensa de pessoas querendo
adotá-lo[1]. Que alegria, para um juiz como tu, da 1ª vara de crime dolosos
contra a vida, ver que uma pessoa foi salva de uma tentativa de homicídio!
No entanto, há três anos,
também em época natalina, em 21 de dezembro de 2012, o mesmo Hospital Materno
Infantil terminava de executar um aborto em um bebê com mais de 20 semanas
(cinco meses) de vida, filho de uma adolescente de 15 anos [2]. Que fizera ele
para merecer a pena capital? Nada. Mas, segundo informações de sua mãe, ele
teria sido fruto de um estupro. No dia 12 de dezembro, tu havias mandado
expedir um alvará judicial para o aborto, com a seguinte justificativa: “Se
for permitido que a criança nasça, um dia ela saberá que foi fruto de um ato
criminoso, o que acarretará enormes problemas em sua formação”[3]. A
solução para a violência sofrida (o estupro) seria, segundo teu parecer, uma
violência ainda maior: o aborto. O estuprador, após um julgamento com amplo
direito de defesa, se fosse condenado, não receberia pena de morte. Sofreria
alguns anos de reclusão, começando em regime fechado, mas com direito a
progredir para os regimes semiaberto e aberto. A criança, porém, inocente e
indefesa, deveria pagar com a morte pelo crime de seu pai. Como magistrado, tu
sabes que isso contradiz o princípio fundamental esculpido em nossa
Constituição de que “nenhuma pena não passará da pessoa do condenado”
(art. 5º, XLV, CF).
No entanto, no caso acima,
houve uma peculiaridade. A indução do aborto já havia começado quando a titular
da Delegacia de Proteção e à Criança e ao Adolescente (DPCA), Renata Vieira
Freitas, encontrou fortes indícios de que a alegação de estupro era falsa.
Segundo o pai da criança, a adolescente teria inventado a estória de violência
por ódio ou vingança. Posteriormente a delegada verificaria, com a confissão da
própria jovem, que o “estupro” não passara de uma farsa. No entanto, já no dia
20, a delegada tentou inutilmente comunicar-se contigo, a fim de que tu
anulasses teu próprio alvará. Tu, porém, estavas descansando em um lugar
longínquo... enquanto um inocente morria. Lembro-me de como o Hospital estava
enfeitado com adornos natalinos. E os profissionais da saúde não enxergavam a
gritante contradição entre o festejo do nascimento do menino Jesus e a
provocação de um aborto. Dirás tu: “Não era o menino Jesus que estava sendo
abortado”. Mas Ele te dirá no dia do juízo: “Cada vez que o fizeste a um
desses meus irmãos mais pequeninos, a mim o fizeste” (Mt 25,40).
Em Goiânia tu te tornaste famoso por seres o juiz que expediu o maior número de
alvarás para aborto de crianças malformadas (aborto eugênico). Tuas sentenças
mostram que estás ciente de que aquilo que autorizas é um ilícito. Transcrevo
trechos da sentença de 16 de novembro de 2004, no qual autorizaste o aborto de
uma criança anencéfala[4] (as palavras são repetidas em diversas outras
sentenças):O que a requerente almeja não se enquadra no nosso Direito
Positivo, já que pleiteia o chamado aborto eugenésico [...]. Poder-se-ia, no
caso, preferir o formalismo e, com isso, concluir pela impossibilidade jurídica
do pedido. [...] É sabido que o direito à vida, abrangendo a vida uterina,
assegurado pelo caput do artigo 5º do Texto Constitucional, é inviolável. No
entanto, ao arrepio da lei e da Constituição, tu dizes:A interrupção da
gravidez encontra fundamento quando o feto possuir malformação congênita,
degeneração ou houver possibilidade de que venha a nascer com enfermidade
incurável.
Em tua opinião, portanto, tu poderias agir como um juiz de exceção, permitindo
o que a lei proíbe[5]. Sim, pois a lei não é omissa no que se refere ao
distúrbio do nascituro. O aborto eugênico enquadra-se perfeitamente nos artigos
125 ou 126 do Código Penal, conforme seja feito sem ou com o consentimento da
gestante. E a autorização judicial não tem nenhum efeito jurídico, a não ser o
de tornar o juiz partícipe do crime, conforme diz o artigo 29 do Código Penal:
“Quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este
cominadas, na medida de sua culpabilidade”.
Mas qual procurador de justiça ousaria oferecer denúncia contra um juiz por
crime de aborto? Tu estás tranquilo. De um lado, a incapacidade de a criança se
defender, do outro, a omissão do Ministério Público. Curiosamente, em algumas
de tuas sentenças, tu escreves a seguinte frase: “Quem se sentir lesado que
recorra”. Ora, como a criança poderá recorrer? Se um cidadão quiser
impetrar habeas corpus em favor dela, encontrará inúmeros
obstáculos. Quando em 06/10/2015, tu autorizaste o aborto de uma criança com
síndrome de body-stalk (cordão umbilical curto), o impetrante do habeas
corpus não pôde fotocopiar os autos, por proibição expressa da
escrivania. Foi-lhe concedido tão-somente folheá-los. A petição teve que ser
redigida a mão no próprio balcão do cartório. Mesmo assim, o desembargador
Aluizio Ataides de Sousa conheceu o pedido e deferiu a liminar, a tempo de
impedir o aborto. A criança nasceu, recebeu um nome (Giovana) e morreu após uma
hora e quarenta minutos. Foi registrada como cidadã e sepultada dignamente. Não
foi descartada nem tratada como lixo hospitalar. Dize-me, senhor juiz: para ti,
a curta sobrevida extrauterina torna o bebê indigno de respeito?
Nos dois alvarás para aborto expedidos em 2011 – o primeiro de uma criança
normal com possível deformidade futura (eugenia preventiva)[6], o segundo de
uma criança com síndrome de Edwards[7] – os funcionários da escrivania
sonegaram toda sorte de informações aos impetrantes, incluindo o número do
processo (!), alegando um pretenso “segredo de justiça”.
Valentina, uma criança com síndrome de Edwards |
Tu és cristão e dizes com acerto que “ser juiz é um sacerdócio”. No entanto, parece que tu ignoras os Dez Mandamentos – em particular o quinto: “não matarás” – quando estás oficiando no fórum. Talvez tu digas que o Estado é laico (ou louco?), de modo que, se no templo tu oras ao Senhor, na tua profissão podes olhar para um bebê e dizer: “Não conheço esse homem” (Mc 14,71).
Escrevo esta carta para que vivas, mesmo sabendo que poderás persistir na conduta que te levará à morte. Ao escrever, lembro-me do que disse o Senhor ao profeta Ezequiel:Se digo ao ímpio: ‘Tu hás de morrer’ e tu não o advertires, se não lhe falares a fim de desviá-lo do seu caminho mau, para que viva, ele morrerá, mas o seu sangue requerê-lo-ei da tua mão. Por outro lado, se tu advertires o ímpio, mas ele não se arrepender do seu caminho mau, morrerá na sua iniquidade, mas tu terás salvo a tua vida (Ez 3,18-19).
Senhor juiz, “escolhe, pois, a vida, para que vivas tu e a tua descendência”
(Dt 30,19).
Anápolis, 4 de janeiro de 2016.
Pe. Luiz Carlos Lodi da Cruz
Mensagens respeitosas podem ser enviadas ao
Sr. juiz Jesseir Correio de
Alcântara:
1ª Vara Criminal
Fórum Dr. Heitor Moraes Fleury
Rua 10, nº 150, Térreo, sala 178
Setor Oeste,
74.120-020, Goiânia, GO.
Telefones:
Fonte: Mídia Sem Máscara
__________________________
Notas:
[1] Pedro NUNES. Bebê comove
servidores de hospital. O Popular, 25 dez. 2015, p. 3.
[2] A adolescente completou 15
anos no dia 15 de dezembro. O aborto começou no dia 19, mas o neném só foi
expelido no dia 21, após aplicação de várias doses de misoprostol (Cytotec).
[3] Aline LEONARDO. “Menina de
14 anos estuprada por padrasto poderá abortar”. Notícias do Tribunal de Justiça
de Goiás, 14 dez. 2012.
[4] Cf. autos do processo
200402082081.
[5] Art. 5º, XXXVII, CF - não
haverá juízo ou tribunal de exceção.
[6] Processo n. 201100707390.
[7] Processo n. 201100980606.
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