Por Carlos I.S. Azambuja
Em uma publicação, editada clandestinamente pelo Partido Comunista do
Brasil, em 1976, sob o título “Manual de Capacitação”, poderão ser
encontrados os fundamentos definidos pelo partido para a Guerra Popular
Prolongada. O fato inusitado é o de que esse “Manual”, quando foi
difundido às bases do partido, a Guerrilha do Araguaia já havia sido, há mais
de um ano, totalmente desmantelada com a prisão, morte, desaparecimento ou
deserção de todos os seus integrantes, mas a direção do partido, com o indefectível
sr João Amazonas à frente, relutava em divulgar a derrota às bases do partido.
Isso só foi feito, oficialmente, em agosto de 1976, apesar do PC do B ter
prosseguido, até essa data, na tarefa de capacitar os jovens militantes do
partido, cooptados principalmente no chamado Movimento Estudantil, através da
União da Juventude Patriótica, entidade criada pelo partido, na tática da
violência armada.
Muito embora, em 1976, o rompimento do PC do B com o Partido Comunista da China
também já estivesse concretizado, o “Manual de Capacitação” tinha como
base citações tiradas de documentos do Partido Comunista da China, além de
transcrever frases inteiras atribuídas ao “revisionista” (como foi
tachado pelo PC do B) Mao-Tsetung.
O capítulo “O Caminho da Revolução”, por exemplo, é iniciado com uma
frase de Mao-Tsetung: “A experiência da luta de classes na época do
imperialismo mostra que a classe operária e as massas trabalhadoras não poderão
vencer as Forças Armadas da burguesia e dos latifundiários senão por meio do
fuzil. Neste sentido, pode-se dizer que não é possível transformar o mundo a
não ser com o fuzil”.
Esse capítulo, após “justificar” a necessidade do caminho armado,
relaciona os fatores favoráveis e desfavoráveis à violência armada.
Lista como “fatores favoráveis”:
- -Estado de Subdesenvolvimento - Apesar de ser uma nação única, o
Brasil na realidade aparece como o Brasil das grandes cidades, com relativo
desenvolvimento econômico e cultural, e o Brasil do interior, quase totalmente
abandonado. No país atua um partido marxista-leninista que acumulou uma
experiência revolucionária rica e passou pela prova de uma acirrada luta
ideológica contra o oportunismo e o revisionismo. O Brasil tem dimensões
continentais que possibilitam um imenso campo de manobra.
Entre os “fatores desfavoráveis”, aponta os seguintes:
- as Forças Armadas, principal instrumento de opressão do povo são, em
certa medida, poderosas. O povo brasileiro não possui ainda suas forças armadas
revolucionárias e, nas últimas décadas, sua experiência de luta armada é muito
limitada. Contrariamente ao que ocorria antes de 1930, atualmente predomina de
forma total a influência norte-americana.
- O inimigo forte, a ausência de forças armadas populares e o
predomínio da influência norte-americana são fatores desfavoráveis e indicam
que a luta no Brasil será dura e prolongada. Mas tais fatores são transitórios.
De modo contrário, os fatores favoráveis atuam de maneira permanente e tendem a
influir de forma positiva.
- Os fatores favoráveis e os desfavoráveis inerentes à realidade
brasileira são, portanto, elementos essenciais para definir o caminho da luta
armada assim como os aspectos básicos da guerra revolucionária no
Brasil”.
A seguir, o capítulo detém-se na análise das “Características Principais da
Guerra Popular”:
- em face da brutalidade do imperialismo norte-americano e da reação interna,
do poderio que detêm em suas mãos, a vitória popular só será alcançada através
da Guerra Popular;
- a Guerra Popular é o caminho para a emancipação dos povos oprimidos
nas novas condições do mundo. É o caminho da luta armada que, paulatinamente,
vai-se estendendo até abarcar a esmagadora maioria do povo;
- quando o imperialismo norte-americano interfere a ferro e fogo em
toda parte, somente uma luta que englobe o povo em seu conjunto poderá ter
pleno êxito;
- a revolução assumirá o aspecto de Guerra Prolongada, travada
fundamentalmente no interior, que se inicia por pequenos grupos guerrilheiros,
cria bases de apoio no campo e se orienta para incorporar à luta grandes massas
da população. As cidades, no entanto, cumprirão importante função, apoiando
concretamente as ações guerrilheiras no interior e coordenando com estas lutas
suas ações urbanas de diferentes tipos;
- a concepção de Guerra Popular pressupõe intenso trabalho político e
de organização entre as massas e implica na necessidade de organizar as Forças
Armadas Populares a partir de pequenos núcleos de combatentes, no amplo emprego
da tática da guerra de guerrilhas e na criação de bases de apoio no campo.
Envolve a compreensão de que os camponeses pobres e os assalariados agrícolas
constituem o grosso das Forças Armadas Populares, que o cenário principal dos
choques armados é o interior do país e que a luta será dura e prolongada;
- quanto mais regiões se vejam obrigadas a ocupar, as tropas da reação
mais dispersarão suas forças e com isso acelerarão seu debilitamento, pois
serão forçadas a subdividir-se, ficando expostas aos golpes dos
revolucionários;
- a guerra revolucionária exige uma orientação política e uma linha
militar justas, uma direção firme, audaz e com capacidade para guiar-se
acertadamente em todas as situações, com ampla visão política e domínio da arte
militar. Reclama, portanto, um intenso trabalho ideológico entre as massas e,
especialmente, entre os combatentes.
Depois, o Manual sintetiza “as principais características
da Guerra Popular no Brasil”:
- deve abarcar a esmagadora maioria do povo;
- será dura e prolongada;
- será iniciada pela guerra de guerrilhas, num quadro de defensiva estratégica;
- deve construir o Exército Popular, capaz de travar a guerra regular e
empreender batalhas decisivas;
- deve construir bases de apoio no campo, centro principal da guerra;
- deve apoiar-se nos próprios esforços;
- deve orientar-se por uma política correta e ter a política (ou seja, o
partido) no comando.
O capítulo “O Caminho da Revolução” prossegue, definindo os fatores
fundamentais da Guerra Popular Prolongada:
- para aniquilar as forças vivas do inimigo, será preciso mobilizar, organizar
e armar milhões de brasileiros e ganhar poderio e experiência. Isso implica em
um imenso trabalho político e ideológico objetivando arrancar as massas da
influência dos latifundiários e da burguesia;
- a duração da Guerra Popular será determinada pela maior ou menor
mobilização do povo, pelo grau de sua participação na luta e pela maior ou
menor capacidade de combate do inimigo ante as forças revolucionárias;
- para fazer vitoriosa a revolução em todo o país é necessário destruir
as Forças Armadas dos reacionários e também as numerosas tropas
norte-americanas que, sem dúvida, serão enviadas ao Brasil. A tarefa de
derrotar inimigos tão poderosos encerra dificuldades e, portanto, demandará um
longo período.
Sobre a Guerra de Guerrilhas, diz o Manual:
- a guerra de guerrilhas será a forma principal de luta na fase inicial da
Guerra Popular. Através desse tipo de luta é que se poderá iniciar a ação
armada contra os inimigos da Nação e começar a estruturar as Forças Armadas
Populares;
- a força guerrilheira só poderá crescer apoiando-se nas massas,
conquistando-as para a revolução, fincando raízes profundas entre os habitantes
da área onde atua, através da ajuda aos trabalhadores do campo para resolver
suas dificuldades; da defesa que fizerem contra as violências de jagunços e
soldados da reação; da elevação da consciência política desses trabalhadores;
do estímulo à sua organização para a luta;
- a guerrilha deve ter conteúdo de massas e objetivos políticos claros.
Porém, se esses objetivos não corresponderem aos interesses e sentimentos da
população, a guerrilha não contará com seu apoio e terminará por ser destruída;
- a guerra de guerrilhas só poderá desenvolver-se tendo em conta: a
força e a situação do inimigo; a topografia do terreno; as vias e meios de
comunicação; o estado de ânimo da população em determinado momento; e a
situação concreta das forças guerrilheiras;
- Mao-Tsetung sintetizou a tática da guerrilha da seguinte forma:
quando o inimigo ataca, retrocedemos; quando acampa, o fustigamos; quanto está
fatigado, o atacamos; e quando se retira, o perseguimos;
- como desdobramentos da tática de guerrilhas devemos evitar o ataque
aos pontos fortes do inimigo e atacar seus pontos débeis; assegurar sempre
liberdade para avançar e retirar-se; estar preparado para empenhar-se em
rápidos combates de decisão imediata;
- os guerrilheiros atuarão em áreas determinadas, tratando de construir
bases de apoio.
Sobre o “Exército Popular”, novamente o PC do B recorre aos ensinamentos
de Mao-Tsetung:
- Mao-Tsetung, o grande mestre da guerra popular, ensina que sem exército o
povo nada terá. Somente construindo o Exército do Povo poder-se-á travar
combates decisivos para a tomada do poder.
Para derrotar as Forças Armadas da reação, assim como as tropas
imperialistas norte-americanas, o povo deverá forjar a arma capaz de
aniquilá-las. Essa arma será o Exército Popular. O Exército Popular terá que
ser um exército constituído fundamentalmente pelas camadas mais pobres da
população. Estará a serviço do povo e será completamente diferente do atual
exército da reação. Será guiado por uma disciplina consciente e seus
componentes deverão ser exemplos de heroísmo, desprendimento e devoção à causa
revolucionária.
Há diferenças sensíveis entre as unidades do Exército Popular e os
destacamentos guerrilheiros, embora estes sejam os embriões daquelas.
Eventualmente, o exército guerrilheiro poderá adotar a tática de guerrilhas e
empregar suas unidades como destacamentos guerrilheiros a fim de travar
pequenos combates de aniquilamento, para desgastar e desintegrar o inimigo.
Política da Guerra Popular:
- sem uma orientação política justa, a Guerra Popular não poderá alcançar
êxito. Sendo uma guerra de massas, ela deverá expressar as aspirações mais
sentidas do povo;
- o objetivo principal da Guerra Popular é livrar o país do domínio
norte-americano, das velhas estruturas que obstaculizam o progresso do Brasil e
do atual regime reacionário. A Guerra Popular está destinada a criar um governo
popular revolucionário que assegure a independência nacional, as liberdades
para o povo, cultura e bem-estar para as massas, terra para os camponeses, e o
pleno desenvolvimento econômico da Nação;
- na presente situação, em que predomina a odiosa ditadura militar, a
Guerra Popular deve levantar bandeiras bem amplas e constituir-se realmente na
grande esperança da maioria dos brasileiros;
- nas áreas onde obtenha a vitória, a Guerra Popular criará o Poder
Popular e executará seu programa;
- exemplo de programa de luta da guerra popular é o programa da União
pela Liberdade e os Direitos do Povo, organização criada pelas Forças
Guerrilheiras do Sul do Pará.
O Manual contém também um grande capítulo denominado “O
Partido e suas Tarefas Básicas”. Nesse capítulo, “o campo” é
considerado “um problema estratégico da revolução”. Essa afirmação é
assim justificada:
A experiência de meio século revela que o campo é o problema-chave da
revolução, pois, para alcançar a vitória, a revolução tem que contar com o
apoio e a ação do campesinato.
Depois de sua reorganização (o que ocorreu em fevereiro de 1962), o partido
decidiu situar o centro de gravidade de seu trabalho no interior.
A VI Conferência (realizada em 1966) salienta que o campo é o cenário principal
onde poderá surgir e se desenvolver a revolução.
As massas camponesas representam imenso potencial capaz de proporcionar a massa
principal de combatentes da guerra popular.
No interior é onde são mais débeis as Forças Armadas reacionárias. Estas não
contam com suficientes efetivos militares para ocupar vastas áreas rurais.
No interior, as Forças Armadas Popularesterão à sua disposição um
amplo campo de manobra que lhes permitirá evitar o cerco, acampar e acumular
forças e assegurar a sobrevivência dos grupos combatentes no difícil início da
Guerra Popular.
A aliança operário-camponesa é condição fundamental para assegurar a hegemonia
do proletariado.
Garantir a participação ativa do campesinato na Guerra Popular é uma condição
básica porque o campesinato é a força motriz principal; só ganhando os
camponeses é possível garantir que o interior constitua um amplo campo de
manobra das Forças Armadas Populares; o campesinato é o contingente
principal para construir as Forças Armadas Populares; sem contar com o
campesinato não se pode pensar em construir bases de apoio e travar uma Guerra
Prolongada.
O início da luta armada é um processo que demanda soluções justas e adequada
preparação política. Mesmo que a situação esteja madura para iniciar a luta
armada, é necessário que os combatentes já tenham forjado sólidos vínculos com
as massas da região e conheçam perfeitamente o terreno em que vão atuar, e que
este, por suas condições geográficas, seja favorável às forças revolucionárias
e desfavorável para o inimigo.
Todos os militantes do partido têm o dever de ocupar-se com os problemas que se
relacionam diretamente com a guerra popular e estar em condições de serem
mobilizados para a luta. Sendo a Guerra Popular uma tarefa de todo o povo, é,
em especial, uma tarefa de todo o partido. Não é um trabalho exclusivo de
alguns setores partidários ou, como pensa o inimigo, de alguns especialistas.
Todos os membros do partido devem atuar em função da Guerra Popular.
Sintetizando, a preparação da luta armada compreende os seguintes aspectos
principais:
- Ideológico e Político, com a revolucionarização dos métodos e estilos de
trabalho e construção de um partido de combate para a guerra;
- De Massa, forjando a ligação estreita com as massas e estabelecendo
vínculos sólidos com elas, despertando sua consciência política, ganhando as
massas para a revolução, mobilizando-as e organizando-as para a guerra;
- De Organização, formando contingentes de quadros políticos e
militares, realizando uma política de distribuição do contingente de quadros de
acordo com os planos de concentração, e aplicando o sistema de direção
coletiva;
- Militar, construindo as Forças Armadas Populares,
organizando a infra-estrutura do apoio militar (esconderijos, obtenção de armas
e recursos materiais, sistemas de comunicação, informações, serviço de saúde,
etc), organizando o estudo, o treinamento militar e o comando militar, e
estudando a situação militar, o inimigo e estabelecendo os planos militares.
Finalmente, o Manual dedica-se aos temas da “Construção de
um Partido de Combate” e das “Forças Armadas Populares”. Este
segundo tema, o mais importante para os objetivos deste trabalho, divide-se em
“Construção do Exército Popular” e “Construção dos Grupos Combatentes
Guerrilheiros”.
- Construção do Exército Popular:
A guerra de guerrilhas, ao se desenvolver, chegará o momento em que os
grupos armados aumentarão de tal modo em número e capacidade de combate, que se
tornará possível o emprego de unidades militares a nível de companhia,
batalhão, regimento, etc. Será formado, então, o Exército Popular.
O Exército Popular somente poderá surgir no curso da própria luta. Seus
embriões serão os pequenos Grupos de Combate que empregarão o método da
guerrilha.
A guerra de guerrilhas é o meio pelo qual os grupos de combatentes, inferiores
em número e armas, conseguirão vitórias e irão se transformando,
paulatinamente, num exército regular.
O Exército Popular terá que ser um exército constituído, fundamentalmente,
pelas camadas mais pobres da população. Estará a serviço do povo e será
completamente diferente do atual exército da reação.
O Exército Popular surge no momento em que a guerra de guerrilhas e os
destacamentos guerrilheiros atingem determinado grau de desenvolvimento. Dessa
forma, a construção do Exército Popular passa primeiro pela construção dos
grupos combatentes de guerrilhas e dos grupos armados locais.
Mesmo depois que o Exército Popular comece a operar como unidade de exército
regular, os outros tipos de organização das Forças Armadas Populares continuarão
em atividade.
- Construção dos Grupos Combatentes Guerrilheiros:
A guerra de guerrilhas é o instrumento adequado para iniciar a luta armada e o
ponto de partida para a construção do Exército Popular.
A guerrilha deve ter um caráter organizado, contar sempre com uma firme direção
política e militar, e com um trabalho político e ideológico permanente.
A guerrilha precisa contar com homens firmes e de grande lealdade ao povo.
Homens com consciência revolucionária e confiança em si mesmos, que sejam
perseverantes, que tenham certo conhecimento de organização, capacidade para
ligar-se às massas e vigilância contra a atividade desagregadora do inimigo.
O espontaneismo e a indisciplina são incompatíveis com os grupos guerrilheiros,
que devem ser homogêneos e de grande poder combativo.
Por ser voluntária e consciente, a disciplina na guerrilha deve ser
inflexível.
As ordens emanadas do comando deverão ser cumpridas incondicionalmente.
A propaganda revolucionária no interior terá que ser, em boa parte, levada a
efeito por elementos capazes de defender-se da perseguição dos reacionários. Os
propagandistas devem conhecer bem a região e seus habitantes e estar em
condições de não se deixar prender e aniquilar.
O objetivo principal dos grupos de propaganda armados é despertar as massas
para a luta em defesa de seus interesses, ajudá-la a organizar-se, ganhá-las
para a idéia da Guerra Popular e, de uma ou outra forma, incorporá-la à luta
revolucionária.
Os grupos combatentes guerrilheiros, ainda que devam ter grande mobilidade,
pois não se ocuparão da defesa de territórios, nunca serão grupos errantes.
Tendo como preocupação principal ganhar a massa para a revolução, tratam de
fincar raízes profundas entre os habitantes da área em que atuam.
Em todas as oportunidades, o guerrilheiro prestará ajuda ao povo, jamais
causará dano aos bens das massas e estabelecerá adequadas relações com os
prisioneiros.
O grupo guerrilheiro procurará aperfeiçoar-se no manejo das armas, tiro,
engenharia militar, passagem de obstáculos, organização de acampamentos,
conhecimento do terreno, eliminação de rastros, orientação das marchas, e
cuidará da sua orientação política e ideológica. Sua preparação física merecerá
particular atenção.
A guerrilha sobreviverá às tentativas do inimigo para destruí-la se tiver o
apoio das massas, assim como grande mobilidade para impedir o cerco. Deve saber
ocultar-se, cortar contato com o inimigo e romper o cerco quando este ocorrer,
assim como contar com refúgios seguros.
Os grupos combatentes de guerrilheiros podem ser de vários tipos e tamanhos,
dependendo das circunstâncias. Diferenciam-se das Forças Armadas
Guerrilheiras por estarem desligados da produção (apesar de
participarem, de certo modo, do trabalho produtivo) e por atuarem abertamente
como guerrilha. Por outro lado, seu raio de ação é muito mais amplo.
Cabem algumas considerações a respeito da doutrina científica do
partido, extraída dos manuais chineses, para a Guerra Popular Prolongada:
- no texto sobre a “Guerra de Guerrilhas”, diz o Manual que a guerrilha
só poderá crescer apoiando-se nas massas, conquistando-as para a revolução e
fincando raízes profundas entre os habitantes da área onde atua.
- Os guerrilheiros do Araguaia procuraram seguir esses ensinamentos, porém nunca
conseguiram conquistar as massas para a sua revolução, muito embora, quando do
inicio das hostilidades, em abril de 1972, já se encontrassem na região há
cerca de 6 anos;
- ainda em “Guerra de Guerrilhas”, o Manual é objetivo, quando assinala
que “a guerrilha deve ter objetivos políticos claros”, porém, se esses
objetivos não corresponderem aos interesses e sentimentos da população, “a
guerrilha não contará com seu apoio e terminará por ser destruída”;
- como “exemplo de programa de luta da Guerra Popular”, é mencionado o
programa da “União pela Liberdade e os Direitos do Povo, organização criada
pelas Forças Guerrilheiras do Sul do Pará”, entidade que nunca funcionou e
que, quando o Manual foi editado, em 1976, a guerrilha não mais existia.
Sobre o papel do campesinato na Guerra Popular, o Manual assinala
que a sua participação é uma “condição básica”, pois ele é a “força
motriz principal” e que só ganhando os camponeses para a causa será
possível constituir “um amplo campo de manobra para as Forças Armadas
Populares”. Nesse sentido, cabe registrar que as tais Forças
Armadas Populares também nunca chegaram a ser constituídas, pois a “condição
básica” para que isso se tornasse possível, mencionada pelo Manual, nunca
chegou ou sequer esteve perto de ser concretizada.
Ao relacionar as condições necessárias à “Preparação da Guerra Popular”,
diz o Manual que “o início da luta armada é um processo que demanda soluções
justas e adequada preparação política e militar”.Ora, segundo se pode
verificar no Relatório Arroio (Anglo Arroio, membro da “Comissão Militar”
que dirigia a guerrilha), justamente a ausência total de “soluções justas”,
bem como de uma “adequada preparação política e militar”, foram as
causas do fracasso no Araguaia.
Finalmente, sendo a Guerra Popular considerada pelo Manual “uma
tarefa de todo o povo e, em especial, de todo o partido” essa pode
ser também definida como uma das causas fundamentais do fracasso da
experiência do Araguaia, uma vez que em nenhum momento todo o povo
e nem todo partido esteve engajado na guerrilha, mesmo porque as bases
partidárias nunca tiveram conhecimento do que ocorria no Araguaia, um projeto
sigiloso, desde o primeiro momento, levado a cabo pelo grupinho seleto de
dirigentes que integravam a Comissão Executiva Nacional do partido.
Somente em agosto de 1976, através do documento “Gloriosa Jornada de
Luta”, publicado no jornal do partido, “A Classe Operária”, os
militantes seriam informados do fracasso do Araguaia. Então, há mais de um ano,
a gloriosa jornada de luta já havia sido desmantelada.
Observe-se que o documento “Gloriosa Jornada de Luta” é de autoria da
Comissão Executiva Nacional e foi publicado à revelia do Comitê Central,
sofrendo, por esse motivo, inúmeras críticas da maioria dos membros deste coletivo
dirigente.
Quando do desmantelamento da reunião da Comissão Executiva Nacional e do Comitê
Central, na Lapa, São Paulo, em 11/16 de dezembro de 1976, pelos Órgãos de
Inteligência, esse tema foi um dos discutidos e, segundo anotações apreendidas
no local, a maioria dos presentes à reunião condenou o documento publicado,
considerado incompatível com as opiniões já manifestadas pela maioria dos
membros do CC.
Somente ELZA DE LIMA MONERAT, que havia estado no Araguaia, fez a defesa do
documento, assinalando que “o Araguaia é exemplo de luta armada no campo”. Os
demais, assim se referiram à guerrilha:
HAROLDO BORGES RODRIGUES LIMA: “A experiência da guerrilha teve caráter
voluntarista e não foi expressão de luta dos camponeses locais”;
JOÃO BATISTA FRANCO DRUMOND: “Havia condições objetivas favoráveis à luta
armada, porém o PC do B não estava em condições de dar resposta a elas (...) A
luta armada é uma questão-chave e precisa ser resolvida mediante uma
autocrítica política, ideológica e militar (...) A Comissão Executiva deveria
ter submetido o documento ao CC antes de publicá-lo”;
WLADIMIR POMAR: “A simpatia de 90% da população aos guerrilheiros, (referida
no documento “A Gloriosa Jornada de Luta”) não se manifestou em termos de
sólido apoio político e participação. Falta à direção do partido coragem
política e ideológica para a autocrítica. É preciso chegar às causas mais
profundas da derrota e levar o debate ao coletivo partidário”;
JOSÉ GOMES NOVAIS: “O texto ‘Gloriosa Jornada de Luta’ não deixa claro que a
guerrilha foi derrotada. A causa principal da derrota é de natureza política e
não militar, pois há uma grande diferença entre o apoio das massas e a
participação das massas (...) O programa das Forças Guerrilheiras do Araguaia
foi divulgado somente depois que a luta teve início. A concepção de guerra
popular que predominou é incorreta”;
PEDRO VENTURA DE ARAUJO POMAR (um dos dirigentes da guerrilha, membro da “Comissão
Militar”): “Não aceito a versão de que a resistência ao Exército partiu
dos moradores. É patente que se travou não uma guerra popular, mas uma guerra
particular, conduzida por um pequeno grupo de especialistas. Produto de uma
concepção de fundo nacional-burguês, ela expressou não os pontos de vista da
classe operária e do campesinato, mas o ponto de vista da pequena burguesia”;
ÂNGELO ARROIO (um dos defensores da experiência do Araguaia e integrante da “Comissão
Militar” que dirigia a guerrilha): “O erro foi militar. Subestimar as
forças armadas do regime”.
Assim, como escreveu Pedro Estevam da Rocha Pomar, autor do livro “Massacre
na Lapa”, “a caracterização de uma ampla maioria no debate sobre o
Araguaia, maioria crítica em relação à soma de concepções que deu origem à
Guerrilha é uma exigência categórica a cumprir por quem se dispuser a refazer a
história do PC do B nas décadas de 70 e 80 (...) A reunião da Lapa representou
o ápice da crítica à Guerrilha”.
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Carlos I.S. Azambuja é Historiador.