Por Carlos I. S. Azambuja
“O revolucionário
deve ser uma fria e seletiva máquina de matar”.(Che Guevara, citado por Jorge
Castañeda; jornal “La Época”, do Chile, 31 de janeiro de 1997).
Um dos principais problemas com que as organizações e
partidos marxistas-leninistas sempre se confrontaram na América Latina foi o de
definir o caráter da revolução. Essa definição é considerada o ponto de partida
para a formulação de estratégias e táticas políticas, que incluem alianças de
classe, formas de luta, etapas da revolução, etc.
Durante 22 anos, o caráter da revolução foi definido pelo
Komintern (III Internacional), tido como o “Estado-Maior ideológico do
movimento revolucionário do proletariado mundial”, fundado em 1919. Com o fim
do Komintern, em 1943, os partidos comunistas de todo o mundo, no entanto, não
ficaram órfãos, pois suas tarefas passaram a ser desempenhadas pelo
Departamento Internacional do Partido Comunista da União Soviética até o
desaparecimento do país, em dezembro de 1991.
De conformidade com as análises científicas da nomenklatura
encastelada no topo do Komintern, a estrutura agrária do continente
sul-americano era classificada como feudal, a burguesia considerada progressista,
os camponeses definidos como hostis ao socialismo coletivista e o continente
concebido como uma espécie de Europa tropical.
Segundo esse raciocínio, o proletariado – força motriz da
revolução – deveria aliar-se temporariamente a uma parte das burguesias
nacionais, mesmo vacilantes, em busca da neutralização dos setores burgueses
considerados ligados ao imperialismo. Isso porque o Komintern considerava que
as condições sociais e econômicas da América Latina ainda não estavam
amadurecidas para a revolução socialista. O objetivo era, então, concretizar
uma etapa histórica democrática e antifeudal, como na Europa do Século XIX.
Até o desmonte do socialismo real, o caráter da revolução
foi a principal causa impeditiva da unidade dos diversos partidos, grupos e
seitas comunistas constituídos em decorrência das inúmeras cisões e
reagrupamentos ao longo dos tempos, fundamentalmente após a Revolução de 31 de
Março de 1964, todos reivindicando ser o partido da revolução. Uns consideravam
que a etapa da revolução deveria ser socialista, outros, democrática e
antifeudal.
Todavia, em 1959, a revolução cubana deu início a um novo
período revolucionário no continente, com a ascensão de correntes
ultra-radicais cujos pontos de referência comuns eram a natureza socialista da
revolução, conferindo, assim, legitimidade à luta armada. Sua inspiração, além
do exemplo da revolução cubana, foram os escritos de Che Guevara – livro
“Guerra de Guerrilhas” – e de Règis Debray – livro “Revolução na Revolução” -.
Essa teoria subverteu a concepção marxista-leninista até
então existente, passando a definir que com um grupo de homens decididos
tornar-se-ia possível instalar um foco guerrilheiro em uma área rural. Esse
foco catalisaria todas as rebeldias, iria crescendo de forma inexorável,
ganhando a população, até transformar-se em um exército, derrotar o inimigo e
apoderar-se do Poder. Só então daria à luz a uma vanguarda política,
invertendo, assim, a ordem dos fatores, com a luta armada precedendo o partido.
A partir daí, um novo ciclo revolucionário teve início na
América Latina.
Paralelamente, a concepção maoísta do cerco das cidades pelo
campo foi adaptada à realidade brasileira por um texto do Partido Comunista do
Brasil: “Guerra Popular, Caminho da Luta Armada no Brasil”. Essa teoria, quando
posta em prática resultou na Guerrilha do Araguaia, dizimada nos anos de 1972 a
1974.
A concepção chinesa de “guerra popular prolongada”
apresentava duas divergências fundamentais com o foquismo: mantinha o fator
militar subordinado ao fator político, mostrando que o partido precede a
guerrilha, e assegurava que esta não teria condições de desenvolver-se sem um
trabalho político anterior entre os camponeses.
Essas táticas acima resumidas – Foco Guerrilheiro e Guerra
Popular Prolongada -, onde quer que tenham sido postas em prática, causaram uma
montanha de mortos.Experts estimam que foram cerca de 500 mil em toda a América
Latina. E no Brasil não foi diferente.
Manuel Piñero Losada (“Barba Roja”), que por cerca de 30
anos dirigiu a Inteligência cubana, falecido em Havana em 1998 em um estranho
acidente de automóvel por ele dirigido, será recordado como o homem encarregado
de exportar a revolução cubana para toda a América Latina, tendo sido, como
tal, o grande responsável pela militarização da esquerda.
Desde o seu posto, inicialmente no Ministério do Interior e
posteriormente no Departamento América do Comitê Central do PC Cubano,
impulsionou todo o tipo de guerrilhas e insurreições e, após o desmonte do
socialismo real com o conseqüente fim do auxílio financeiro fraternal que Cuba
sempre recebeu da União Soviética, passou a utilizar a mão-de-obra ociosa dos
guerrilheiros derrotados no continente em seqüestros de empresários como os de
Abílio Diniz e Washington Olivetto, no Brasil, e outros, em diversos países,
para fins de obtenção de resgates e, assim, obter fundos para o Serviço de
Inteligência cubano, uma vez que o “ouro de Moscou” deixara de fluir.
Em julho de 1961, ainda no governo Jango e antes, portanto,
da eclosão da luta armada no Brasil – que só ocorreria em 1966 – 13 militantes
das Ligas Camponesas foram mandados a Cuba, por Francisco Julião, líder das
Ligas, para treinamento militar. Esse grupo foi, historicamente, o pioneiro na
relação político-militar entre a revolução cubana e a esquerda armada
brasileira. Desde então, até o início dos anos 70, estima-se que 260
brasileiros tenham recebido, em Cuba, treinamento militar, descrito, aliás, pelo
então militante da ALN José Dirceu – que recebeu esse tipo de treinamento com o
codinome de “Daniel” - e era tido como um “comandante” - como “um vestibular
para o cemitério” (Jornal do Brasil de 27 de dezembro de 1998). Talvez por
isso, após seu retorno ao Brasil, ao final do curso em Havana, ele tenha optado
pela deserção, abandonando à própria sorte seus companheiros do Movimento
Popular de Libertação (MOLIPO).
Também na Academia Militar de Pequim um grupo de cerca de 40
brasileiros doPartido Comunista do Brasil e da Ação Popular foi treinado nas
táticas da luta armada. O primeiro grupo de militantes do PC do B embarcou para
Pequim em 29 de março de 1964, ainda no governo Jango, retornando em 1966 e
sendo deslocado para a selva do Brasil Central para o início da montagem
daquilo que seria a Guerrilha do Araguaia, embrião da guerra popular
prolongada. Outro grupo, da Ação Popular, viajou para a China em 1966, e seus
integrantes “regressaram ao Brasil transfigurados e logo depois transformariam
a AP numa organização marxista-leninista-maoísta”(declaração de Herbert José de
Souza – “Betinho”, então Coordenador Nacional da AP).
Em dezembro de 1962, diversos militantes das “Ligas”, que
haviam sido treinados em Cuba, constituindo um grupo denominado “Movimento
Revolucionário Tiradentes”,foram presos quando tentavam montar um foco
guerrilheiro em Dianápolis, Goiás. Essas prisões foram noticiadas pelo jornal
“O Estado de São Paulo” de 4 de dezembro de 1962.
Em 1963, ainda no governo João Goulart, as “Ligas Camponesas”
foram praticamente aniquiladas politicamente pelo... Partido Comunista
Brasileiro – contrário à luta armada - que, aliado a setores da Igreja, fundou
a Confederação dos Trabalhadores na Agricultura (CONTAG) e rapidamente assumiu
o controle dos sindicatos rurais manipulados por Francisco Julião. Ou seja,
dois grupos de comunistas brigando pelo mesmo capim.
Não obstante, em 31 de março de 2004, num esforço para
reescrever a História, Celso Furtado, ex-presidente da SUDENE durante o governo
Jango e ministro da Cultura quando do governo Sarney, demonstrou que desconhece
a História de seu país. Declarou, em Paris, em entrevista a Reali Junior, de O
Estado de São Paulo, que a Revolução destruiu as “Ligas Camponesas”, um
movimento social...
Em 1967, um ano após a realização da Conferência
Tricontinental, em Cuba, foi realizada, também em Cuba, a “I Conferência da
OLAS”, evento do qual Carlos Marighela, membro da direção do PCB, participou.
Entrementes, no Brasil, a direção do PCB decidia que ele
seria expulso do partido tão logo regressasse ao Brasil. E foi o que ocorreu.
Em março de 1968, Marighela definiu a denominação de sua
Organização, até então uma dissidência do PCB conhecida como Ala Marighela:
Ação Libertadora Nacional (ALN), que rapidamente seria transformada no maior
grupo em atividade na guerrilha urbana.
Introduzido por Frei Beto no Convento dos Dominicanos, em
São Paulo, com o codinome de “professor Menezes”, rapidamente o Convento
transformou-se na principal rede apoio da ALN, com o conhecimento e a
aquiescência do Provincial, frei Osvaldo Augusto de Rezende Junior.
Antes disso, em 1967, vários dissidentes do PCB também
favoráveis à luta armada haviam constituído o Partido Comunista Brasileiro
Revolucionário. Entre esses dissidentes estava Apolônio de Carvalho que,
posteriormente, um Ministro da Justiça considerou um “herói” e propôs sua
promoção a general!
Frei Beto, que foi preso em 11 de novembro de 1969, 7 dias
após a morte de Marighela delatado pelos seus colegas dominicanos, em seus depoimentos
à Polícia, deixou claro que eles, os dominicanos, que participavam do projeto
de luta armada estavam cientes disso desde o primeiro momento. Ou seja, Frei
Beto delatou seus kamaradasdominicanos que haviam delatado Marighela.
Então, ainda não existia a chamada delação premiada...
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Carlos I. S. Azambuja é Historiador.