domingo, 14 de junho de 2015

TUDO VAI MUITO BEM (NOS PODERES DA REPÚBLICA)


Quando tudo vai bem, o que a gente menos quer falar é em mudança. Deixa como está! Não mexe!

Estou falando dos membros das instituições. Dos órgãos do Estado, do governo, do parlamento, da justiça. Para esse específico e decisivo conjunto de pessoas, de autoridades, tudo está muito bem. Não têm do que se queixar. Os vencimentos são bons, os subsídios idem, prerrogativas e privilégios também, o modelo lhes garantiu acesso aos postos que ocupam, as regras do jogo lhes foram convenientes. Em grande parte, conquistaram suas posições com méritos intelectuais nos postos ocupados por concurso, e por méritos políticos nos postos eletivos ou de indicação. Tudo está no seu lugar e todos estão onde querem. Deixa tudo como está!

Esse tem sido um clássico entre os problemas brasileiros. Muda-se apenas o mínimo necessário para que nada mude, como já disse alguém. Estamos em meio a uma crise cujos promotores são conhecidos e sobre cujas causas ninguém tem dúvidas. Tudo vai mal para quase todos. Mas tudo vai bem para quem decide sobre quaisquer mudanças e sobre os rumos a serem dados ao país. Provavelmente, os "honorable gentlemen", como diria Churchill a eles se referindo, ouviram dizer que a sociedade se inquieta. Escutaram panelaços. Souberam que o povo saiu às ruas. Perceberam que a eleição e a apuração dos votos de outubro de 2014 transcorreram numa caixa preta. Têm consciência de que quem venceu mentiu mais que o capeta e alcançou seus fins pelos piores meios. Não desconhecem que há um escândalo em cada esquina. Acham o juiz Sérgio Moro um chato de galocha. Mas a experiência lhes ensinou que o melhor remédio, para quem não quer marola, vem com um dia depois do outro.

Eis aí o motivo pelo qual nada está acontecendo, embora todos esperem que algo aconteça. Por mais que as circunstâncias favoreçam seu trabalho, nem mesmo a dita oposição se atreve a cumprir seu papel. No Congresso Nacional, ela, a oposição, é a turma do "deixa disso!". Quando o clima esquenta, os caciques botam fogo. No cachimbo da paz, quero dizer. E trocam apaziguadoras baforadas. Os "honorable gentlemen" vão muito bem, obrigado, e nada têm a reclamar. As eventuais dificuldades pessoais se decidem com alguma leizinha privada, em benefício próprio, de comum acordo, porque nada é mais sagrado do que o bem estar e o estar bem nas instituições da República.

A conivência e a conveniência, vêm sustentando a hegemonia de um projeto de poder que já não esconde a que veio. Quem acha que nada deve mudar, em breve verá tudo mudado. Saiba, portanto, o leitor: em tais condições, nada serve melhor à ruína do país que a modorra institucional, que o conformismo dos tíbios e o silêncio dos omissos. Espero que o Congresso do PT desperte as instituições para seus compromisso com o bem do país, que não pode ser boi de canga para um projeto totalitário de poder.

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Percival Puggina (70), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e Pombas e Gaviões, integrante do grupo Pensar.

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