segunda-feira, 22 de junho de 2015

CULTURA DA TRANSGRESSÃO

Por Carlos Alberto Rabaça

Crise é uma palavra gasta porque muitos homens em altos postos dela se servem para justificar os seus interesses

Pesquisa inédita do Ibope mostra que, no período de 22 anos, o otimismo do brasileiro não ficava tão por baixo quanto hoje: 48% se dizem pessimistas em relação ao futuro do país, enquanto 21% se declaram otimistas. Só no governo de Fernando Collor o brasileiro se mostrou tão pessimista. Contribui para isso a crise ética e econômica que atemoriza os cidadãos.

O mensalão e a operação Lava-Jato deflagraram um sentimento de impotência na população. Sucessão de escândalos e trapaças está longe de ser obra do acaso. O futuro é tão incerto que parece mais uma ameaça. Desemprego, inflação e insegurança política deprimem o brasileiro.

Decerto, as pessoas estão moralmente confusas. A crise brasileira se agrava, a todo momento, pelos vestígios de velhos hábitos políticos e instituições desgastadas. O governo, por sua vez, se empenha numa luta ideológica sem poder definir a própria ideologia. Vivemos uma cultura de transgressão e da ausência de verdadeiros líderes.
“Crise” é uma palavra gasta porque muitos homens em altos postos dela se servem para justificar seus interesses. Na verdade, é precisamente numa conjuntura cheia de incertezas que acontecem ações de alta imoralidade. A autenticidade das crises compreende situações nas quais se deve enfrentar alternativas dignas de confiança, cujos sentidos morais são evidentes num debate público. A alta imoralidade, o enfraquecimento geral dos valores e a organização de atos ilícitos não necessitam de nenhuma crise pública. Problemas dos crimes dos burocratas, do vício de alto preço e da periclitante integridade pessoal são decorrentes da ausência de fiscalização e da transgressão estrutural e endêmica.

Uma sociedade que, em seus altos círculos e em seus níveis médios, é composta de uma rede de quadrilhas não produz homens de sentido moral acentuado. Uma sociedade que é apenas superficial em seu exercício democrático não produz homens de consciência. Uma sociedade que limita o sentido do “êxito” ao dinheiro grosso e que eleva os recursos públicos ao plano de um valor particular, produzirá o negocista impiedoso e o negócio escuso. É claro que pode haver homens corruptos em instituições honestas, mas quando as instituições também corrompem muitos homens que vivem e trabalham nelas, então são necessariamente corruptas.

As empresas governamentais não encerram maiores imoralidades do que as empresas de negócios. Os políticos só podem conceder favores financeiros quando há homens, na esfera privada, dispostos a aceitá-los. E esses só podem procurar favores políticos quando há homens na política que possam concedê-los. Esses fatos é que dão origem à desconfiança da população, que busca encontrar e praticar os meios políticos da honestidade, para objetivos moralmente sadios.

Publicado no jornal “O Globo” de 15 de junho de 2015




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Carlos Alberto Rabaça é sociólogo e professor

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