quinta-feira, 21 de maio de 2015

A Dispersão da Quarta Internacional


Segundo a Esquerda, de modo geral, a necessidade do princípio do centralismo democrático decorre do fato de que as pessoas ainda não pensam uniformemente.

Desde a sua fundação, em 3 de setembro de 1938, em um Congresso realizado em Paris, França, sempre foram inúmeros os grupos, tendências, frações, cisões e fusões no âmbito da Quarta Internacional, em todos os países bem como em nível de coordenação internacional, todos reivindicando a primazia da construção do Partido Mundial da Revolução, tarefa central da Internacional, desde que foi criada.

No Brasil atuam 21 grupos trotskistas, pelo menos:
  • Ação Popular Socialista
  • Corrente Socialismo Internacional
  • Corrente Socialismo Revolucionário
  • Corrente Socialista dos Trabalhadores
  • Democracia Socialista
  • Fração Trotskista
  • Grupo Práxis
  • Grupo Revolução Permanente
  • Liga Bolchevique Internacionalista
  • Liga Estratégia Revolucionária
  • Liga Estratégica Revolucionária
  • Liga Quarta-Internacionalista do Brasil
  • Movimento de Esquerda Socialista
  • O Trabalho na Luta pelo Socialismo
  • Partido da Causa Operária
  • Partido Operário Revolucionário Trotskista
  • Partido Operário Revolucionário Trotskista-Posadista
  • Partido Socialismo e Liberdade
  • Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado
  • Socialismo Revolucionário
  • Tendência pelo Partido Operário Revolucionário

E, em nível internacional, cerca de 20 centros coordenadores, todos reivindicando interpretar a pureza dos ensinamentos de Leon Trotsky.

Embora exista esse amplo espectro reivindicando a Quarta Internacional, ela nunca chegou a existir como organização centralizada, pois o movimento é muito amplo e disperso, bem como são divergentes as formas de interpretar os escritos de Trotsky.

Após a II Guerra Mundial desenvolveu-se o processo revolucionário mais poderoso desde a Revolução Bolchevique. Esse processo, todavia, resultou no fortalecimento do Stalinismo, que os trotskistas sempre consideraram “um aparato contra-revolucionário”, e da Social-Democracia, que passou a governar diversos países na Europa. Ambos – Stalinismo e Social-Democracia – após a II Guerra, passaram a dirigir o movimento de massas em nível mundial.

Em virtude disso, o trotskismo desapareceu por muitos anos do cenário europeu.

Posteriormente, a partir dos anos 1960, a Revolução Cubana trouxe ao trotskismo outro tipo de controvérsias: uma divisão entre os que reconheciam que em Cuba havia ocorrido uma grande revolução e que o novo Estado era uma conquista que deveria ser defendida dos ataques do imperialismo, e os que não a encaravam como um fato revolucionário. Essas controvérsias persistem até os dias atuais.

Como conseqüência, vários grupos trotskistas, em nível internacional, se reunificaram em 1963 em torno do apoio à Revolução Cubana, dando origem à construção do Secretariado Unificado da Quarta Internacional. Essa reorganização, no entanto, foi efêmera, e novas diferenças voltaram a surgir em torno desse mesmo tema e, logo depois, a partir de 1979, da Revolução Sandinista na Nicarágua. Essas diferenças deram origem a dois setores: um que opinava que a direção dessas revoluções era pequeno-burguesa e burocrática e que, por esse caráter de classe, iriam levá-la à derrota, e outro que sustentava que o Castrismo e o Sandinismo eram grandes direções revolucionárias e que, por conseguinte, não se poderia construir partidos apartados delas.

Entre esses dois setores logo surgiu uma outra diferença: os que defendiam os métodos de luta através da classe operária e os que optavam pelo guerrilheirismo foquista.

A partir de meados da década de 90, todavia, um novo grande fato da luta de classes provocou novos realinhamentos: o desmantelamento do socialismo real, que os trotskistas sempre denominaram de “aparato stalinista”. Essa queda provocou uma primeira diferença entre os que opinam ter sido um fato revolucionário fundamental, apesar de suas contradições, e os que opinam ter sido uma grande derrota, que afastará, por longo tempo, a possibilidade de uma revolução.

Os acontecimentos do Leste-Europeu na década de 1990, onde o Stalinismo foi erradicado, estão criando ainda outras diferenças em outros grupos contrários ao revisionismo. São grupos que opinam em favor da construção de partidos e de uma Internacional Revolucionária, porém consideram que isso deverá ser feito tendo por base princípios totalmente diversos dos da Terceira e Quarta Internacionais.

Opinam que os acontecimentos no Leste-Europeu questionaram tudo: o centralismo democrático, a ditadura do proletariado, a utilização do terror vermelho, as estatizações e os grupos que se intitulavam dirigentes da classe operária. Opinam, em verdade, que devem ser construídos partidos revolucionários, porém que a tarefa central desses partidos deve ser a propaganda do programa e a luta pela construção de uma nova sociedade.

As diferenças, todavia, não terminam aí. Entre os setores favoráveis à construção de partidos revolucionários leninistas de combate, regidos pelo centralismo democrático e que sejam seções de uma Internacional, que defendem a classe operária como sujeito social da revolução e a participação na luta de classes através de um diálogo permanente com essa mesma classe operária, existem também importantes divergências que envolvem diferenças programáticas e de princípio e que provocam políticas contrapostas nos centros coordenadores da luta de classes em nível mundial.

Existem, por exemplo, diferentes interpretações da política leninista em relação às nacionalidades oprimidas. Isso acarretou que, ante um fato central, como a guerra na ex-Iugoslávia, um setor trotskista apoiasse os Bósnios e os Croatas e outro os Sérvios, e ainda outro defendesse a neutralidade. Outros ainda, no Oriente Médio, defendem a palavra-de-ordem de um Estado Palestino único, o que implica na destruição do Estado de Israel, enquanto outros defendem o direito dos palestinos a seu Estado, ao lado de um Estado de Israel socialista.

Também existem diferenças na forma de como interpretar o nacionalismo de uma Nação oprimida e o nacionalismo da Nação opressora. Isso provoca distinções programáticas quando ocorrem guerras envolvendo esses tipos de países. Isso ocorreu, por exemplo, na Guerra das Malvinas, onde existiram setores do marxismo revolucionário (trotskismo) que centralizaram sua política em chamamentos à derrota das tropas inglesas, enquanto outros clamavam em favor da paz, outros ainda denunciaram a guerra, e ainda outros defendiam o direito de autodeterminação dos Kelpers, habitantes das Malvinas.

Existem também diferenças em relação a que tipo de Internacional construir. Uns defendem que se deva reconstruir a Quarta Internacional, por considerarem que seus aspectos programáticos centrais, expressos no Programa de Transição e na Teoria da Revolução Permanente mantêm sua vigência, e outros que, partindo dos desvios programáticos que ocorreram em importantes dirigentes e correntes que reivindicavam, e ainda reivindicam a Quarta Internacional, defendem que deve ser construída uma Internacional diferente.

Todas essas divergências explicam o grau de dispersão dentro da Quarta Internacional em todo mundo, demonstrando que a luta para construir o Partido Revolucionário Mundial e assumir o lugar do Stalinismo desmantelado não está sendo uma tarefa simples.

Porém, além dessa série infindável de divergências políticas, existe ainda uma outra, de caráter metodológico, talvez mais difícil de superar. É a que considera que o processo de degeneração stalinista não foi apenas político mas também metodológico e moral, e conseguiu infestar, com seus métodos, importantes setores do movimento operário, inclusive o marxismo revolucionário.

Em face de tudo isso, hoje existem setores que se reivindicam marxistas revolucionários e que apelam para os métodos do vale tudo para dirimir suas diferenças, valendo-se de insinuações, mentiras, difamações e até ataques físicos – como já ocorreu com diversos grupos atuantes no Brasil -, ou que utilizam suas relações com outras correntes revolucionárias para infiltrar (entrismo, segundo o dialeto trotskista) seus membros, no sentido  de desenvolver um trabalho fracional, a fim de ganhar militantes para suas fileiras.

Esses métodos impedem a aproximação fraternal entre os diversos grupos porque, ao destruir a confiança recíproca, cria barreiras mais difíceis de transpor do que as simples diferenças políticas. Esses são considerados métodos stalinistas que prostituem a atividade revolucionária.

Malgrado toda essa enorme série de diferenças, deve ser levado em conta que, segundo a doutrina, todo e qualquer partido, para ser considerado revolucionário, deve ser um organismo vivo que reflita os distintos aspectos da luta de classes, bem como as diferentes interpretações sobre ela. Em seu seio sempre existirão diferenças e polêmicas que, em última instância, serão – ou deveriam ser – dirimidas pela realidade e pelo chamado centralismo democrático. Essas diferenças, no entanto, vivificam o partido e favorecem seu fortalecimento.

Segundo a Esquerda, de modo geral, a necessidade do princípio do centralismo democrático decorre do fato de que as pessoas ainda não pensam uniformemente...



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Carlos I.S. Azambuja é Historiador.

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