terça-feira, 14 de abril de 2015

Crise já atinge a imagem de Lula

Por Raymundo Costa

Foi dura e tensa a última conversa de Lula com a presidente Dilma Rousseff e seu staff palaciano. Enquanto estavam a sós, o ex-presidente, por mais de uma vez, elevou o tom de voz, e quem estava do lado de fora pode ouvir muito bem. Auxiliares de Dilma tentaram minimizar o ocorrido. Contaram que a conversa corria solta, quando os outros convidados para a reunião começaram a chegar, e os dois, sozinhos em uma sala do Palácio da Alvorada, não precisavam gritar para serem ouvidos por quem estava no compartimento contíguo. Tons à parte, o fato é que Lula fez questão de deixar claro que não virá mais a Brasília, para se encontrar com Dilma Rousseff, se tiver apenas acumulado mais horas de reunião com a presidente da República, para tudo permanecer como está no governo. Como de outras vezes.

O nervosismo e a impaciência do ex-presidente da República têm uma explicação: não são apenas o governo e a popularidade pessoal de Dilma que estão ao rés do chão. A crise começa a afetar também a imagem de Lula, como já havia afetado antes a imagem do PT. A pesquisa divulgada ontem pela Confederação Nacional dos Transportes (CNT), que confirma a queda da popularidade da presidente e a perda de confiança dos brasileiros no governo registrada pelo Datafolha, na semana anterior, informa ainda que 67,9% dos entrevistados consideram que Lula tem culpa no cartório pela corrupção na Petrobras. Um sentimento também detectado em pesquisa interna do PT, na qual o ex-presidente já não aparece tão invulnerável como antes a denúncias de corrupção e perde a olhos vistos a camada de teflon que sempre o protegeu. O mensalão e o petrolão são uma tinta que pegou no PT e parece não ter água que tire.

O desgaste da imagem de Lula era previsível, uma vez que a crise, não é de hoje, está sendo devastadora para o PT. Pesquisas internas indicam que o partido já não seria o campeão do voto de legenda, como foi até o ano passado, se as eleições fossem disputadas hoje. O PT ficaria com algo em torno de 10% do voto de legenda, quando há pelo menos duas décadas e meia tem girado mais perto dos 30% dos votos válidos que dos 20% baixos. É um cenário que assusta o PT quanto mais perto ficam as eleições municipais de 2016. O partido espera enfrentar dificuldades, sobretudo, nos grandes centros urbanos.

Petrolão é tinta que pegou no PT e parece não ter água que tire

Na realidade, o PT já teve problemas em relação ao voto de legenda nas eleições de 2014 para a Câmara dos Deputados, quando, pela primeira vez, desde os anos 1990, perdeu para os tucanos. A soma dos votos no PSDB, ano passado, chegou a 1,92 milhão, cerca de 23,8% dos votos válidos, contra 1,75 milhão do PT, pouco mais de 21% do total. Para se ter uma ideia, em 1990 o PT teve mais de 24% dos votos de legenda, enquanto o PSDB não chegou aos 5%. Na onda vermelha de 2002, os votos de legenda no PT bateram na espetacular marca dos 27%. O horizonte de curto prazo não é favorável ao PT, mas a novidade é o desgaste na imagem de Lula, o que mais deixa inquietos os dirigentes petistas e o próprio ex-presidente da República, hoje a única expectativa real de manutenção do poder nas eleições de 2018.

Contam os interlocutores de Lula que esta foi a primeira vez que ele levantou a voz, numa conversa com a presidente da República. As narrativas da reunião são de que o ex-presidente falou português claro e sem rodeios. Discorreu sobre a necessidade de mudança na equipe política sem nenhum constrangimento. Também com desenvoltura disse que Dilma precisava dialogar mais, pois o Brasil é um país muito grande e complexo e não pode ter um governante que não exercite a boa prática do diálogo. Também segundo os interlocutores do ex-presidente, ele defendeu a troca de Mercadante pelo ministro da Defesa, Jaques Wagner, e a designação de um papel especial para o vice-presidente da República. Em duas palavras: reforma já.

O ex-presidente da República teria deixado Brasília, na semana passada, após a reunião com Dilma, convencido de que desta vez a conversa no Alvorada teria consequências práticas. Boa parte da conversa vazou, não por acaso. Mas auxiliares da presidente também informaram que ela estava considerando seriamente a reforma ministerial, a dúvida era quando fazer. A semana escorreu até o fim, primeiro Dilma disse que faria uma reforma pontual, apenas para preencher a vaga de Cid Gomes na Educação, e depois condicionou qualquer mudança à aprovação do ajuste no Congresso. "É necessário que se aprove o ajuste fiscal e que se use o Orçamento para fazer um contingenciamento", disse, em evento no Rio Grande do Sul. "A partir daí todas as demais medidas serão tomadas".

Até o início da noite de ontem, pelo menos, o PMDB não tinha expectativas de uma mudança real no governo Dilma. Os dirigentes do partido acham que a presidente não quer tirar Mercadante nem Pepe Vargas do Palácio do Planalto, enquanto isso, pretendem tocar a própria agenda no Congresso, que passa pela reforma política e pelo projeto que reduz o número de ministérios. Se Dilma não quer diminuir o espaço do PT no governo, o PMDB trata de reduzi-lo com a aprovação de uma lei. O ajuste fiscal terá o apoio do partido, mas o projeto que revê a desoneração da folha de pagamentos deve receber emendas dos pemedebistas, para tornar gradual sua implantação. O argumento é que as empresas terão de mudar o planejamento feito para o exercício de 2015.

Na percepção de Lula, do PT e maioria dos aliados a crise é obra de Dilma e a saída depende dela. Para usar um termo de uso frequente no partido, a crise não será "socializada". Agora o PT também desconfia de um entendimento entre PP, PSDB e PMDB para livrar os acusados de cada um desses partidos, nas investigações da CPI da Petrobras, e incriminar apenas os petistas. Desde o início do ano dirigentes do PT diziam que o objetivo de seus adversários era cassar o registro do PT. Parecia mania de perseguição, até o presidente do PSDB e candidato derrotado por Dilma nas últimas eleições, Aécio Neves, declarar que estuda o assunto.

Publicado no site "A Verdade Sufocada"



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Raymundo Costa é repórter especial de Política, em Brasília.

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