Por Raymundo Costa
Foi dura e tensa a última conversa de Lula com a presidente
Dilma Rousseff e seu staff palaciano. Enquanto estavam a sós, o ex-presidente,
por mais de uma vez, elevou o tom de voz, e quem estava do lado de fora pode
ouvir muito bem. Auxiliares de Dilma tentaram minimizar o ocorrido. Contaram
que a conversa corria solta, quando os outros convidados para a reunião
começaram a chegar, e os dois, sozinhos em uma sala do Palácio da Alvorada, não
precisavam gritar para serem ouvidos por quem estava no compartimento contíguo.
Tons à parte, o fato é que Lula fez questão de deixar claro que não virá mais a
Brasília, para se encontrar com Dilma Rousseff, se tiver apenas acumulado mais
horas de reunião com a presidente da República, para tudo permanecer como está
no governo. Como de outras vezes.
O nervosismo e a impaciência do ex-presidente da República
têm uma explicação: não são apenas o governo e a popularidade pessoal de Dilma
que estão ao rés do chão. A crise começa a afetar também a imagem de Lula, como
já havia afetado antes a imagem do PT. A pesquisa divulgada ontem pela
Confederação Nacional dos Transportes (CNT), que confirma a queda da
popularidade da presidente e a perda de confiança dos brasileiros no governo
registrada pelo Datafolha, na semana anterior, informa ainda que 67,9% dos
entrevistados consideram que Lula tem culpa no cartório pela corrupção na
Petrobras. Um sentimento também detectado em pesquisa interna do PT, na qual o
ex-presidente já não aparece tão invulnerável como antes a denúncias de
corrupção e perde a olhos vistos a camada de teflon que sempre o protegeu. O mensalão
e o petrolão são uma tinta que pegou no PT e parece não ter água que tire.
O desgaste da imagem de Lula era previsível, uma vez que a
crise, não é de hoje, está sendo devastadora para o PT. Pesquisas internas
indicam que o partido já não seria o campeão do voto de legenda, como foi até o
ano passado, se as eleições fossem disputadas hoje. O PT ficaria com algo em
torno de 10% do voto de legenda, quando há pelo menos duas décadas e meia tem
girado mais perto dos 30% dos votos válidos que dos 20% baixos. É um cenário
que assusta o PT quanto mais perto ficam as eleições municipais de 2016. O
partido espera enfrentar dificuldades, sobretudo, nos grandes centros urbanos.
Petrolão é tinta que pegou no PT e parece não ter água que
tire
Na realidade, o PT já teve problemas em relação ao voto de
legenda nas eleições de 2014 para a Câmara dos Deputados, quando, pela primeira
vez, desde os anos 1990, perdeu para os tucanos. A soma dos votos no PSDB, ano
passado, chegou a 1,92 milhão, cerca de 23,8% dos votos válidos, contra 1,75
milhão do PT, pouco mais de 21% do total. Para se ter uma ideia, em 1990 o PT
teve mais de 24% dos votos de legenda, enquanto o PSDB não chegou aos 5%. Na
onda vermelha de 2002, os votos de legenda no PT bateram na espetacular marca
dos 27%. O horizonte de curto prazo não é favorável ao PT, mas a novidade é o
desgaste na imagem de Lula, o que mais deixa inquietos os dirigentes petistas e
o próprio ex-presidente da República, hoje a única expectativa real de
manutenção do poder nas eleições de 2018.
Contam os interlocutores de Lula que esta foi a primeira vez
que ele levantou a voz, numa conversa com a presidente da República. As
narrativas da reunião são de que o ex-presidente falou português claro e sem
rodeios. Discorreu sobre a necessidade de mudança na equipe política sem nenhum
constrangimento. Também com desenvoltura disse que Dilma precisava dialogar
mais, pois o Brasil é um país muito grande e complexo e não pode ter um
governante que não exercite a boa prática do diálogo. Também segundo os
interlocutores do ex-presidente, ele defendeu a troca de Mercadante pelo
ministro da Defesa, Jaques Wagner, e a designação de um papel especial para o
vice-presidente da República. Em duas palavras: reforma já.
O ex-presidente da República teria deixado Brasília, na
semana passada, após a reunião com Dilma, convencido de que desta vez a
conversa no Alvorada teria consequências práticas. Boa parte da conversa vazou,
não por acaso. Mas auxiliares da presidente também informaram que ela estava
considerando seriamente a reforma ministerial, a dúvida era quando fazer. A
semana escorreu até o fim, primeiro Dilma disse que faria uma reforma pontual,
apenas para preencher a vaga de Cid Gomes na Educação, e depois condicionou
qualquer mudança à aprovação do ajuste no Congresso. "É necessário que se
aprove o ajuste fiscal e que se use o Orçamento para fazer um
contingenciamento", disse, em evento no Rio Grande do Sul. "A partir
daí todas as demais medidas serão tomadas".
Até o início da noite de ontem, pelo menos, o PMDB não tinha
expectativas de uma mudança real no governo Dilma. Os dirigentes do partido
acham que a presidente não quer tirar Mercadante nem Pepe Vargas do Palácio do
Planalto, enquanto isso, pretendem tocar a própria agenda no Congresso, que passa
pela reforma política e pelo projeto que reduz o número de ministérios. Se
Dilma não quer diminuir o espaço do PT no governo, o PMDB trata de reduzi-lo
com a aprovação de uma lei. O ajuste fiscal terá o apoio do partido, mas o
projeto que revê a desoneração da folha de pagamentos deve receber emendas dos
pemedebistas, para tornar gradual sua implantação. O argumento é que as
empresas terão de mudar o planejamento feito para o exercício de 2015.
Na percepção de Lula, do PT e maioria dos aliados a crise é
obra de Dilma e a saída depende dela. Para usar um termo de uso frequente no
partido, a crise não será "socializada". Agora o PT também desconfia
de um entendimento entre PP, PSDB e PMDB para livrar os acusados de cada um
desses partidos, nas investigações da CPI da Petrobras, e incriminar apenas os
petistas. Desde o início do ano dirigentes do PT diziam que o objetivo de seus
adversários era cassar o registro do PT. Parecia mania de perseguição, até o
presidente do PSDB e candidato derrotado por Dilma nas últimas eleições, Aécio
Neves, declarar que estuda o assunto.
Publicado no site "A Verdade Sufocada"
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Raymundo Costa é repórter especial de Política, em Brasília.
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