sexta-feira, 20 de março de 2015

Comissão de Desaparecidos Políticos

Por Carlos I. S. Azambuja

Em fins de agosto de 1995 - 16 anos após a Anistia concedida no governo do presidente Figueiredo -, foi enviado ao Congresso Nacional pelo governo do presidente Fernando Henrique Cardoso, um projeto de lei dispondo sobre “o reconhecimento das pessoas desaparecidas em razão de participação, ou acusação de participação, em atividades políticas, no período de 2 de setembro de 1961 a 15 de agosto de 1979”.

Segundo esse projeto, foi criada uma Comissão Especial, composta por 7 membros, “de livre escolha e designação do Presidente da República”, com a atribuição de proceder ao reconhecimento dessas pessoas que tenham falecido, de causas não naturais, “em dependências policiais ou assemelhadas”.

Ao projeto foi anexada uma relação com os nomes de 136 pessoas consideradas desaparecidas no período definido de 18 anos (1961 a 1979).

Os familiares desses desaparecidos, segundo o projeto, teriam direito a uma indenização, a título reparatório, variável entre 100 mil e 150 mil reais, conforme o caso. Em maio de 1998, com o decorrer dos trabalhos da Comissão, a relação de desaparecidos já continha os nomes de 224 pessoas. No mesmo sentido, a Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados elaborou uma relação paralela, com 288 nomes.

O projeto da Comissão foi redigido pela Secretaria de Direitos Humanos do Ministério da Justiça, todavia as relações de desaparecidos políticos começaram a ser confeccionadas no governo Itamar Franco, quando o Ministro da Justiça era o Sr. Maurício Corrêa, com base em consultas aos Ministérios Militares, às associações de familiares de mortos e desaparecidos políticos e em denúncias de organismos nacionais e internacionais defensores dos direitos humanos.

Deve ficar claro que a grande maioria das pessoas cujos nomes constam na relação de desaparecidos não desempenhava quaisquer atividades políticas, e sim pegaram em armas para, através da tática de realizar seqüestros de diplomatas, aviões, assaltos a bancos e estabelecimentos comerciais, roubo de armas, muitos com assassinatos à mão armada, atentados a bomba contra quartéis e “justiçamentos” – até mesmo de seus próprios companheiros -, bem como a tentativa da implantação da guerrilha urbana e rural no país. Esse é um fato histórico, que não pode ser eludido.

Na relação dos desaparecidos políticos que acompanhou o projeto constavam os nomes de 59 guerrilheiros considerados desaparecidos na Guerrilha do Araguaia, com a profissão e data de desaparecimento de cada um deles, no período de 1972 a 1974.

De conformidade com essa relação, mais de 50% dos guerrilheiros mandados para a Selva Amazônica pela direção do Partido Comunista do Brasil, a fim de implantar o embrião da guerra popular prolongada, eram estudantes universitários e secundaristas.

A propósito dos objetivos da Comissão de Desaparecidos Políticos, já está mais do que caracterizado que a “experiência” posta em prática pelo Partido Comunista do Brasil que resultou na insana Guerrilha do Araguaia não foi uma reação ao Ato Institucional nº 5, de 13 de dezembro de 1968, como a esquerda e muitos historiadores apregoam. Ela teve início ainda no governo João Goulart, em fevereiro de 1962, quando um grupo de dirigentes e militantes do Partido Comunista Brasileiro, inconformado com a tática de “linha pacífica” para a tomada do poder, criou o Partido Comunista do Brasil, com a finalidade de partir para formas superiores de luta, eufemismo designativo de violência armada. Não existia, então, nenhuma ditadura militar.

Também já foi escrito e é um fato histórico que ainda no governo Goulart, em 29 de março de 1964, dois dias antes da Revolução, um primeiro grupo de militantes do PC do B foi mandado à China, a fim de receber treinamento militar na Academia Militar de Pequim; e que, já em fins de 1966, esse grupo de militantes, retornado da China, foi deslocado para o Brasil Central a fim de montar a chamada “Área Estratégica”,embrião da guerra popular prolongada. Tudo, portanto, antes do Ato Institucional nº 5.

Optar pela forma de luta armada no campo, realizar treinamento militar em país comunista e internar-se na selva amazônica, foi uma decisão do núcleo seleto de comunistas que constituiu e passou a dirigir o Partido Comunista do Brasil, alguns dos quais o dirigem até hoje. Os que assim decidiram é que deveriam ser responsabilizados pelas mortes ou desaparecimentos na tresloucada empreitada do Araguaia.

Não apenas o Partido Comunista do Brasil, mas também diversos outros partidos, grupos, organizações e seitas da esquerda radicalizada não hesitaram em promover a violência armada. Para dar combate à tática que utilizavam, como acima foi dito: - assaltos a bancos e a estabelecimentos comerciais, atentados a quartéis, seqüestros de pessoas e aviões comerciais, roubo de armamento, assassinatos de alguns de seus próprios companheiros, denominados de “justiçamentos” -, o governo viu-se na contingência de apelar para as Forças Armadas, constitucionalmente responsáveis pela manutenção da LEI e da ORDEM.

A LEI e a ORDEM foram restabelecidas, sendo as guerrilhas, urbana e rural, eliminadas na guerra suja então travada. Pouco tempo depois, em agosto de 1979, o governo decidiu pela concessão de uma Anistia a todos os envolvidos na guerra suja e que haviam sido condenados ou estavam presos por participação na violência armada ou, de forma pacífica, nos movimentos e partidos clandestinos de oposição. O objetivo da anistia foi o de pacificar o país e estender o manto do esquecimento sobre aqueles anos de chumbo.

Ou seja, todos aqueles que estavam condenados ou simplesmente presos, ainda submetidos a processos, foram libertados. E agora os que, todavia, na louca empreitada perderam a vida, tiveram seus familiares recompensados financeiramente.

Para a concessão dessas recompensas, no entanto, não deixa de ser ridícula e extemporânea a insinuação dos que redigiram o projeto criando a Comissão de Mortos e Desaparecidos Políticos de que os guerrilheiros do Araguaia estavam sob a custódia do Estado ou em “dependências policiais ou assemelhadas”.

Não deixam também de ser extravagantes as alegações da Comissão de Mortos e Desaparecidos para recompensar as famílias de diversos guerrilheiros urbanos, definindo que foram mortos em “dependências policiais ou assemelhadas” ou em “lugares sujeitos à administração militar”, artifícios utilizados para inúmeros casos, como os de Carlos Lamarca, morto no sertão baiano - cuja viúva já recebia pensão militar - e Carlos Marighela, morto em via pública, no centro de São Paulo, traído, deliberadamente ou não, pelos seus camaradas do Convento dos Dominicanos, e muitos outros, reconhecidamente mortos nas ruas, em confrontos com a polícia.

Rosalino Souza, o “Mundico”, da Guerrilha do Araguaia, sabidamente “justiçado” por seus companheiros, teve seu nome incluído na relação de Desaparecidos Políticos.

Mas isso ainda é pouco, para quem parece querer mais. A Comissão, criada em agosto de 1995, continua funcionando e julga não ter ainda concluído seus trabalhos, que não disfarçam um acerto de contas com o passado.
Integram essa Comissão, na condição de representantes dos familiares, Iara Xavier Pereira e Suzana Kiniger.

Quem são essas senhoras?

- Iara Xavier Pereira pertence a uma família de militantes da violência armada. Seu pai, João Batista Xavier Pereira, sua mãe, Zilda Paula Xavier Pereira, e seus irmãos, Alex de Paula Xavier Pereira e Iuri Xavier Pereira, foram militantes da Ação Libertadora Nacional.

Iara, Alex de Paula, Iuri e Zilda, receberam treinamento militar em Cuba.

Alex de Paula e Iuri participaram de mais de 40 ações terroristas. Iuri, inclusive, foi um dos que participaram do “julgamento” pela chamada “Justiça Revolucionária”, que condenou à morte sob a acusação de “vacilação”, o seu companheiro Márcio Leite Toledo, “justiçado” em 26 de março de 1971, em São Paulo.

Alex e Iuri foram mortos, em 1972, nas ruas de São Paulo, em confronto com a polícia. Alex de Paula em 29 de janeiro de 1972, juntamente com o também terrorista Gelson Reicher; e Iuri em 14 de junho de 1972, juntamente com seus companheiros Ana Maria Nacinovic Corrêa e Marcos Nonato Fonseca.

Segundo está registrado nas páginas 296, 297 e 298 do livro “Mulheres que Foram à Luta Armada”, editado em 1998,“Iara, ora com um 38, ora com um 32 - às vezes com uma metralhadora - participou de algumas ações armadas: expropriou carros, assaltou firmas (...) Iara é econômica no que diz respeito aos detalhes das ações, pois ela ocupa, nestes anos do governo Fernando Henrique Cardoso, posição de destaque junto à Comissão de Mortos e Desaparecidos Políticos, a responsável pelas indenizações do Estado aos familiares dos rapazes e moças que morreram na luta”.

Iara Xavier Pereira foi casada com Arnaldo Cardoso Rocha, militante da ALN, também morto em confronto com a polícia nas ruas de São Paulo, em 15 de março de 1973. O jornal “O Estado de São Paulo” de 16 de março de 1973 noticiou a morte:“Três terroristas que lideraram a ação que provocou a morte do português proprietário do restaurante Varella, na Mooca, foram mortos na tarde de ontem durante tiroteio com agentes dos órgãos de segurança, na rua Caquito, no bairro da Penha”.Nesse sentido, a rua Caquito, no bairro da Penha, teria sido considerada uma “área sujeita à administração militar” ou uma“dependência militar ou assemelhada”?

Após a morte do marido, Iara viajou para o Chile, e daí, novamente, para Cuba.

A outra “representante das famílias” na Comissão, Suzana Kiniger, ou Suzana Lisboa, foi também militante da ALN, juntamente com seu marido Luiz Eurico Tejera Lisboa. Ambos receberam também treinamento militar na ilha de Fidel Castro. Luiz Eurico apareceu morto, em circunstâncias misteriosas, em São Paulo, em 1972.

Os familiares de Alex de Paula Xavier Pereira, Iuri Xavier Pereira, Arnaldo Cardoso Rocha e Luiz Eurico Tejera Lisboa – que são Iara e Suzana -, foram recompensados pela Comissão de Desaparecidos Políticos.

Em agosto de 1996, a Comissão cometeu outro desatino. Decidiu conceder indenização de 100 mil reais aos beneficiários do Coronel Aviador Alfeu de Alcântara Monteiro, morto em 31 de março de 1964 com um tiro de pistola dentro de um quartel da Aeronáutica em Porto Alegre, Rio Grande do Sul, cuja viúva já recebia pensão militar.

A respeito de seu voto favorável nesse processo, o General Osvaldo Pereira Gomes, representante das Forças Armadas naComissão de Desaparecidos Políticos, autocriticou-se em entrevista ao jornal “Folha de São Paulo” de 7 de junho de 1998. Disse ele: “(...) Houve o caso de um militar janguista que se rebelou num quartel do Rio Grande do Sul. Ele foi morto, e a Comissão votou o processo em que ele teria levado 16 tiros pelas costas.

Era o coronel Alfeu de Alcântara Monteiro. O pedido de indenização foi aceito. Eu mesmo aprovei o caso. Na verdade, depois de o caso ser apurado, fui descobrir que o coronel não tinha levado 16 tiros pelas costas, mas sim um tiro, após um tiroteio (...) O que foi para o relatório ‘Brasil Nunca Mais’ foi essa versão de 16 tiros pelas costas, o que é uma inverdade. Houve muitos casos como esse. Havia inclusive uma combinação entre os presos para eles orquestrarem determinados depoimentos. Como exemplo, há o caso do general Fayad. Vários presos políticos combinaram em falar que todos foram torturados por ele (...)”.

A VERDADE é que o Coronel Alfeu de Alcântara Monteiro, um Oficial janguista, recusou-se a passar o comando da então 5ª Zona Aérea para o Brigadeiro Nelson Freire Lavanère Wanderley e reagiu, dando um tiro de pistola no Brigadeiro, causando-lhe um ferimento na face. Um Coronel, que acompanhava o Brigadeiro Wanderley, reagiu, matando com um tiro o Coronel Alfeu. Foi instaurado um Inquérito Policial Militar, sendo o Coronel absolvido pelo STM.

As dúvidas do general Osvaldo Pereira Gomes sobre esse processo, antes da votação, para que pudesse dar seu voto com absoluto conhecimento de causa, como é o mínimo que a sociedade exige de qualquer Juiz, seriam dirimidas se, simplesmente, tivesse consultado o Inquérito Policial Militar acima referido, arquivado no STM. Mas parece que preferiu informar-se no “Relatório Brasil Nunca Mais”, redigido pela Arquidiocese de São Paulo.

Não é altamente edificante conhecer um pouco da VERDADE HISTÓRICA?


Publicado originalmente no site Alerta Total


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Carlos I. S. Azambuja é Historiador.

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